Eu não sou, nem nunca fui, o exemplo ideal de criador. Na verdade me faltam principalmente recursos financeiros pra fazer tudo o que eu gostaria e penso ser ideal, mas, ainda assim, estou conseguindo cada vez fazer mais e melhor, dentro das limitações que a vida me impõe.
Comecei como a maioria dos criadores: adquiri uma filhota com pedigree e comecei a criação ao acasalar essa cadela. Embora eu não tenha tido orientação adequada quanto aos exames de saúde (afinal, se ninguém fazia, como que iam me dizer pra fazer? rss), eu até que não comecei mal: esperei minha cadela amadurecer e só a acasalei aos 3 anos e meio, e escolhi um macho muito bom dentro do meu limitado conhecimento (era vencedor em exposições, vinha de linhagem de cães vencedores, filho de importado, aquela coisa toda que deixa qualquer iniciante deslumbrado).
Definir um acasalamento só pela beleza dos cães e de seus pedigrees já é uma besteira, mas já fiz muitas outras também. Acasalei 2 fêmeas minhas com menos de 2 anos, mais especificamente perto de 1 ano e meio, e me arrependi (ainda bem que isso foi ha mais de 13 anos atrás). Definitivamente uma cadela não tem maturidade (não está "pronta") pra criar uma ninhada com essa idade. E ultimamente eu tenho visto cadelas parindo com 1 ano de idade ou perto disso, e com frequência. Socorro! Cadê o bom senso de quem "cria" e de quem compra tais filhotes? É como falar desses criadores de fundo de quintal, que mantém os cães engaiolados e imundos: eles só existem e continuam fazendo dessa forma porque tem mercado pros seus "produtos". A culpa não é apenas de quem "comete o crime", mas de quem o mantém ativo. Não adianta você fazer campanha pelo bem-estar, se financia a exploração.
Aos poucos fui começando a fazer exames no meu plantel. Comecei pelo laudo de displasia coxofemoral, com cães na época já adultos e que já tinham reproduzido, mas antes tarde do que nunca, não é mesmo? Descobri que eu havia reproduzido uma cadela displásica (isso mesmo) por ignorância e ingenuidade (por sorte o "par" era isento, mas e se não fosse?). Não fui orientada e segui a "tradição" brasileira de criar cães só pelo critério da aparência. O que contribuí para a raça dessa forma? NADA. Meu recado: quem acasala cães por acasalar, mesmo que cuide muitíssimo bem deles e até tendo pago pequenas fortunas pra adquiri-los, não está contribuindo NADA. Está fazendo nada mais do que um desserviço à raça.
Eu comecei a fazer exames, eu fui atrás de genética diferenciada, eu estudei mais genética (não só pedigrees), mudei todo o meu conceito em relação ao manejo (especialmente nutricional) e aqui estou eu, finalmente com a sensação de estar no caminho certo dentro daquilo que almejo.
Resumindo, eu tropecei muito pra aprender o que ninguém havia me ensinado. Sofri demais vendo cães com problemas de saúde que provavelmente poderiam ter sido evitados. E foi principalmente por esse motivo que eu mudei completamente o rumo da criação duas vezes e que venho trilhando um caminho cada vez mais "natureba" em relação ao manejo.
É preciso fazer mais popular a cultura do critério na criação, dos exames pra doenças hereditárias, e da responsabilidade do criador pelo que cria. Quem sabe quando tivermos "compradores" mais exigentes, teremos criadores mais comprometidos, faremos novos criadores começarem certo, e conseguiremos acabar com criadores irresponsáveis ou ignorantes.
Vamos agora ao ponto:
QUAIS SÃO OS "SINAIS" PRA IDENTIFICAR UM CRIADOR SÉRIO E ÉTICO?
- Só acasala fêmeas com mais de 24 meses e machos com mais de 18 meses.
- Não acasala fêmeas por cios seguidos (normalmente "pula" um ou dois cios pra cada cio com acasalamento/ninhada) ou acasala no máximo por 2 cios seguidos (e isso somente quando a cadela está em excelente estado geral e o intervalo entre os cios não é curto - afinal há cadelas que têm cio a cada 4 ou 5 meses). Há exceções para alguns casos específicos em que realmente existe a orientação de, por exemplo, acasalar por até 3 cios seguidos e em seguida castrar, mas o criador deverá saber explicar os motivos com detalhes. Que eu saiba não existe justificativa nem nunca vi qualquer orientação para acasalar uma fêmea por mais do que 3 cios consecutivos.
- Só acasala cães com resultados satisfatórios em exames pra doenças hereditárias existentes na raça, especialmente aquelas doenças passíveis de serem detectadas antes da idade reprodutiva, como a displasia coxofemoral e displasia de cotovelos, por exemplo.
- Estuda genética e saúde/doenças incansavelmente (não entende somente de pedigrees/linhas de sangue), portanto entende a importância do coeficiente de inbreeding e calcula-o ao planejar qualquer acasalamento, evitando acasalamentos "fechados" (ou os faz somente em casos especiais, totalmente ciente dos riscos) e sabe explicar cada decisão tomada.
- Investe muito tempo (estudando, fazendo contatos, etc.) e dinheiro em genética de boa qualidade (adquirindo cães de boas linhagens, descendentes de exemplares com exames de saúde e comprovadamente longevos).
- Proporciona ao seu plantel: alimentação de qualidade, higiene, atividade física, contato humano (carinho, afeto) e atendimento veterinário sempre que necessário.
- Devido aos itens anteriores, normalmente não tem lucro com a criação, especialmente quando cria raça de porte grande ou gigante. Com sorte consegue cobrir as despesas, mas geralmente gasta mais do que ganha. Só continua criando se tiver um emprego / renda extra pra custear a criação, e claro, também porque realmente ama esse hobby, seus cães e a raça.
- Por tratar seu plantel com respeito e planejar a criação com a melhor das intenções, jamais esconde o histórico de sua criação. Divulga as ninhadas já nascidas e acasalamentos já feitos, assim como os frutos deles.
- Não tem pressa pra entregar o filhote, só libera filhotes após completamente desmamados, geralmente com a primeira dose de vacina (pelo menos), em ótimo estado geral.
- Cuida dos cães e filhotes de perto, com ajuda ou não, mas jamais deixa tudo nas mãos de funcionários. Conhece a fundo cada cão que possui, e é nítido o vínculo afetivo que cada cão demonstra pelo seu dono (no caso, o criador de cães). Não preciso nem dizer que quase sempre o criador mora no mesmo local onde tem os cães e a criação, né? Que entendam como "mora no canil" ou "tem o canil em casa", dá na mesma (mas lembre-se: se largar tudo nas mãos de funcionários e não lidar com os cães e filhotes, não faz diferença ele morar lá). Estrutura física (um grande canil com grandes instalações) nem sempre é atestado de qualidade ou seriedade, e vice-versa. Ter canil registrado já faz da pessoa um criador, e um bom criador pode ter poucos cães e tê-los como seus cães de família, na sua casa, sem nenhum problema, assim como pode ter instalações próprias para abrigar um número maior de cães.
- Proporciona o melhor ambiente possível para a matriz e seus filhotes. Começa o desmame cedo para não sobrecarregar a mãe, isto é, oferece alimentos aos filhotes tão logo eles mostrem interesse, deixando que a mãe amamente o quanto e por quanto tempo desejar. Desde o nascimento mantém os filhotes em piso com alguma aderência (como carpete, tapete higiênico, toalha, piso de borracha, etc.) para que não fiquem escorregando, permitindo assim um melhor desenvolvimento das articulações e musculatura, além de incentivar e facilitar sua movimentação. Mantém as unhas dos filhotes sempre aparadas para que não machuquem a mãe (elas normalmente não se importam, mas se podemos evitar arranhões, cortes desnecessários e eventuais desconfortos, por que não?), para habituar os filhotes ao manuseio e não atrapalhar o correto desenvolvimento (já vi filhotes de 2 meses com unhas longas de tal forma que elas entortavam o dedo junto!). Além, claro, de dar especial atenção à fase crucial de sociabilização.
- Responde quaisquer perguntas sem melindres, se mostra sempre disponível e atencioso tanto antes quanto depois da entrega do filhote, e dá garantias por escrito (contrato).
- Assim como responde quaisquer perguntas, gosta de fazer perguntas aos interessados em filhotes, para assim tentar selecionar os melhores proprietários pra eles, na medida do possível.
- Identifica cada filhote nascido aos seus cuidados, seja através de tatuagem ou microchip. Dessa forma mantém um elo de ligação, possibilitando encontrar ou recuperar qualquer exemplar de sua criação que por acaso se perca ou seja abandonado por um proprietário que se revele irresponsável.
- É filiado a um ou mais clubes cinófilos e registra seus filhotes sempre antes dos 90 dias de idade.
- Não vende e sim doa castrados os filhotes que eventualmente apresentem algum problema congênito.
- Ajuda e orienta na escolha e manejo do filhote. Mostra os pais e filhotes, e sempre tem vídeos e fotos deles. Se preserva ao máximo (hoje em dia há muitos roubos em canis) mas não esconde seus cães, pelo contrário, tem o maior orgulho deles.